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O Hino da Pérola

 


Esse Hino, atribuído a Bardesanes, influente 
poeta do gnosticismo cristão do século II, oferece uma excepcional oportunidade para percebermos a profundidade do misticismo nos primórdios de nossa tradição interna. O Hino apresenta um comovente relato da peregrinação da alma, que culmina com a sua 'salvação', representada pela aquisição da 'pérola' (a gnosis), e o conseqüente retorno ao reino da Casa do Pai, num estreito paralelo com a parábola do Filho Pródigo. Deixemos que a mensagem celestial de esperança penetre em nossos corações, pois a estória que será narrada é a história de nossa vida.


"Quando eu era criancinha, demasiado novo

para falar e morava no Reino da Casa de meu Pai,

deleitando-me na riqueza e no esplendor daqueles que

me nutriam, meus pais me enviaram do oriente, nosso

lar, numa missão, equipado com suprimentos para a

jornada. Das riquezas de nossos tesouros eles me

deram um grande carregamento, mas que era leve,

para que eu pudesse carregá-lo sozinho.

A carga consistia de ouro das terras altas, prata

dos grandes tesouros, jóias de esmeraldas da Índia e

ágatas de Kushan. E cingiram-me com diamantes.

Retiraram a minha veste cravejada de jóias e adornada

de ouro que, por seu amor, haviam feito para mim, e

meu manto de púrpura, confeccionado na minha exata

medida.

E fizeram um pacto comigo, gravando-o em meu

coração para que eu não pudesse esquecê-lo, dizendo

isto: 'Se tu fores ao Egito e dali trouxeres a pérola que

se encontra no meio do mar, envolta pela serpente

voraz, então colocarás outra vez a veste cravejada de

jóias e, por cima, o manto que tanto aprecias e serás

um herdeiro de nosso reino, juntamente com teu

irmão, o segundo em nossa hierarquia.

Deixei o Oriente e parti acompanhado de dois

guias, pois o caminho era difícil e perigoso e eu era

jovem para uma tal viagem. Atravessei as fronteiras de

Maishan, o lugar de encontro dos mercadores

orientais, cheguei à Terra de Babel e entrei pelas

muralhas de Sarbug. Continuei e, chegando ao Egito,

meus acompanhantes separaram-se de mim.

Incontinente procurei a serpente,

estabelecendo-me próximo de sua morada,

aguardando a ocasião em que ela ficasse sonolenta e

fosse dormir, para então tirar-lhe a pérola. Como

estava sozinho e me mantinha à parte, parecia um

estranho para meus companheiros de hospedagem.

Entretanto, lá eu vi um homem livre, meu parente da

terra da Alvorada, um jovem formoso e bem

favorecido, filho de Nobres. Ele veio e juntou-se a mim.

Fi-lo meu parceiro predileto, um parceiro para

minhas jornadas. Como constante companheiro

alertou-me sobre os egípcios, para que evitasse

misturar-me com os impuros. Pois, havia me vestido

como eles, para que não pudessem imaginar que eu

era estrangeiro e tinha vindo de longe para apossar-me

da pérola e pudessem assim incitar a serpente contra

mim.

Mas por alguma razão, eles souberam que eu

não era de seu país. Com suas artimanhas,

apresentaram-se a mim e ofereceram-me seus

alimentos para comer. Ao prová-los, esqueci-me que

era filho de um Rei e tornei-me um servo do rei deles.

Esqueci completamente a pérola para a qual meus Pais

me haviam enviado e, com o peso de seus alimentos,

mergulhei num sono profundo

Meus Pais percebiam tudo aquilo que estava

acontecendo, e ficaram ansiosos. Foi feita então uma

proclamação em nosso Reino: que todos se

apresentassem rapidamente no Pórtico. E então os reis

e chefes de Partia e todos os nobres do Levante

decidiram que eu não deveria ficar no Egito.

Escreveram-me uma carta e nela todos os nobres

assinaram seu nome:

"De parte de teu pai, o Rei dos Reis, de tua mãe,

Senhora do Levante, e de nosso segundo, teu irmão, ao

nosso filho no Egito, saudações! Acorda e desperta de

teu sono. Ouve as palavras de nossa carta! Lembra-te

que és filho de um rei; vê a quem serviste em tua

escravidão. Pensa outra vez sobre a pérola, a razão

pela qual viajastes ao Egito. Lembra-te de tua veste

gloriosa e de teu esplêndido manto, para que possas

outra vez vesti-los e usá-los como ornamentos, e para

que teu nome possa ser lido no Livro dos Heróis, e com

nosso sucessor, teu irmão, possas ser herdeiro em

nosso reino."

A carta, que o Rei havia lacrado com sua mão

direita, era como um mensageiro contra a ameaça dos

filhos de Babel e dos rebeldes demônios do Labirinto.

Ela voou na forma de uma águia, a rainha de todas as

aves; voou até pousar ao meu lado, transformando-se

num discurso inteiro. Com sua voz e o som de sua asas,

levantei-me, despertando de meu sono profundo.

Tomei-a, beijei-a, parti seu lacre e a li. As palavras de

minha carta estavam redigidas como as que estavam

escritas em meu coração

Lembrei-me naquele momento que eu era filho

de rei e que minha alma, nascida livre, tinha saudade

daqueles da mesma natureza. Lembrei-me novamente

da pérola, pela qual eu havia sido enviado em missão

ao Egito. E comecei a cativar a terrível e ruidosa

serpente. Encantei-a para dormir, cantando para ela o

nome de meu Pai, o nome de nosso segundo e o de

minha mãe, a Rainha do Oriente.

Apoderei-me, então, da pérola e parti em

direção à casa de meu Pai. Retirei as vestimentas sujas

e impuras, deixando-as em seu país de origem. Dirigime

para o caminho pelo qual havia vindo, a estrada

que leva à Luz de nossa casa, o Oriente. No caminho,

encontrei diante de mim a mensagem que havia me

despertado. E assim como ela havia me despertado

com sua voz, agora me orientava com sua luz que

brilhava à minha frente; com sua voz vencia meu

temor, e com seu amor me conduzia. Eu segui

adiante... Vislumbrava, às vezes, as vestes reais de

seda, brilhando diante de mim. Segui adiante; passei

pelo Labirinto; deixei a Terra de Babel à esquerda; e

cheguei a Maishan, o lugar de encontro dos

mercadores, que se localiza na costa.

Meus pais enviaram-me a Veste de Glória que eu

havia despido e o Manto que a cobria. Enviaram-nos

das alturas de Hyrcânia, pelas mãos de seus

distribuidores de tesouros, pois que, por sua lealdade,

a eles podiam ser confiados. Sem me lembrar de seu

esplendor, pois a havia deixado na Casa de meu Pai na

minha infância, ao vê-la, imediatamente a Veste

pareceu-me como a imagem de mim mesmo.

Percebi nela todo o meu ser e, por meio dela,

reconheci-me e percebi-me. Pois, apesar de termos

sido originados da mesma unidade, éramos

parcialmente divididos e, no entanto, éramos também

unos em semelhança. Também, os tesoureiros que a

haviam trazido do alto para mim, vi que eram dois

seres, mas havia uma única forma em ambos, um único

símbolo real consistindo de duas metades. E traziam

meu dinheiro e minha riqueza em suas mãos e deramme

minha recompensa.

A gloriosa veste reluzente, enfeitada com

brilhante esplendor de cores: com ouro, pérolas e

também com pedras preciosas de diferentes cores.

Para realçar sua grandeza estava cingida com

diamantes. (Além disso) a Imagem do Rei dos Reis

estava estampada inteiramente nela; pedras de safiras

tinham sido afixadas na gola com lindo efeito.

Percebi, que movimentos de gnosis abundavam

em toda sua extensão, e que estava se preparando

como que para falar. Ouvi o som de sua música, que

sussurrava ao descer: 'Sou eu que pertence àquele que

é mais forte do que todos os seres humanos e para o

qual fui indicada pelo próprio Pai. E percebi em mim

como minha estatura aumentava com sua atividade'.

E (agora), com seus movimentos reais, ela vinha

em minha direção, como que apressada nas mãos de

seus doadores, para que eu pudesse (tomá-la e)

recebê-la. E de minha parte, também, meu amor

instava-me a correr ao seu encontro e tomá-la. Estendime

para recebê-la; com sua beleza colorida vesti-me e

enrolei-me em meu manto de cores resplandecentes.

Vestido dessa forma, ascendi ao Portal das Boas

Vindas e da Reverência. Inclinei minha cabeça e prestei

homenagem à glória do Pai que a havia enviado, cujas

ordens eu havia cumprido, e que, de sua parte,

também havia feito o que prometera. Ele recebeu-me

com alegria, e fiquei com Ele em seu Reino, e todos

seus súditos estavam cantando hinos com vozes

reverentes. Ele permitiu-me também ser levado à corte

do Rei em sua companhia, para que com a pérola eu

pudesse comparecer diante do Rei."

A estória começa quando uma alma demasiado

nova para falar (exercer seus poderes) é enviada, por

seus pais, do mundo espiritual para o mundo material,

numa missão que representa a grande peregrinação da

alma. O oriente é onde nasce a luz do sol físico e, no

sentido figurativo, é a origem da Luz espiritual

primordial. A alma é enviada com suprimentos para a

jornada, que são a substância de todos os planos pelos

quais o peregrino deve passar. As riquezas do tesouro

do pai, jóias e metais preciosos, referem-se aos

poderes espirituais, que possuem grande valor e

nenhum peso, podendo ser carregados facilmente pela

alma. O ouro das terras altas simboliza a mais elevada

sabedoria espiritual e a prata a compreensão espiritual;

o diamante, a pedra mais preciosa, simboliza a essência

espiritual do universo e sua expressão no homem como

coragem intrépida e vontade indomável (a pedra mais

dura que risca todas as outras); a safira representa a

sabedoria.

Para encetar a viagem o jovem deve retirar sua

veste real e seu manto de púrpura. Temos aqui a

descrição do processo involutivo, a penosa descida do

espírito à matéria. A alegoria da retirada das vestes

espirituais refere-se à desativação dos poderes

espirituais no espírito encarnante que deve recobrir-se

com roupagens cada vez mais grosseiras, culminando

na colocação de vestes que, por suas vibrações

pesadas, são consideradas como impuras, o corpo

astral e o físico.

Segue-se, então, o curioso pacto feito por seus

pais, que é gravado no coração do peregrino, no âmago

de seu ser, para que nunca mais possa ser esquecido.

Esse pacto simboliza a missão do homem no mundo,

que encerra a promessa de seu retorno triunfal às

glórias celestiais. O conhecimento interior desse pacto

explica a insatisfação latente que aflora no homem em

determinados momentos, quando experimenta um

sentimento de carência, uma saudade inexplicável que

o persegue, até que entende que as coisas externas

deste mundo não atendem aos profundos anseios da

alma. Começa, então, a busca do verdadeiro tesouro,

quando se dá a compreensão de que vivemos em

desterro neste mundo distante.

O pacto envolve a ida ao Egito, onde deverá

recuperar a pérola preciosa que se encontra escondida

no meio do mar, guardada pelas forças da matéria,

simbolizadas pela terrível serpente. Essa pérola

representa a gnosis, termo grego que significa

conhecimento, porém não um conhecimento qualquer,

mas o conhecimento último da Realidade, que é

vivencial e não meramente intelectual.

O mar é o símbolo tradicional do plano

emocional, onde se produzem as paixões e os desejos.

A serpente, sobre a qual quase nada é dito no Hino,

simboliza a tremenda força telúrica que, como desejo

sexual, é a força da procriação, mas que quando

sublimada e dirigida para o alto torna-se o poder da

criação espiritual. Insinuada como um monstro terrível,

a serpente é na verdade o fogo serpentino, chamado

no oriente de kundalini, que deve ser despertada e

elevada cuidadosamente até o centro da cabeça, onde

se encontra com a força espiritual que desce pelo

chacra coronário para conferir a iluminação ou gnosis,

simbolizada pela pérola.

O curioso é que o prêmio por essa realização

extremamente difícil é o retorno ao estado inicial. Em

paralelo com outras tradições, percebe-se aqui que os

universos passam por infindáveis ciclos de

manifestação e retração. Em cada ciclo a consciência

divina desce progressivamente à matéria, num

processo de involução, seguido por uma etapa

evolutiva em que vai se sutilizando, desprendendo-se

progressivamente do jugo da matéria, até manifestar

plenamente sua natureza divina original.

O nobre filho parte do Oriente, da terra da luz,

acompanhado de dois guias. Esses, são provavelmente

aqueles seres divinos chamados de Arcanjos, Elohim ou

Sefirotes cuja missão é facilitar a descida da emanação

das Mônadas dos planos da plenitude celestial até o

corpo físico.

Segue-se um relato da passagem do jovem por

diferentes lugares. A denominação desses locais deve

corresponder à realidade histórico-geográfica da época

em que o hino foi escrito e vela o seu significado

interno. Atravessar as fronteiras de Maishan significa a

passagem da alma pelos limites do mundo celestial, ou

a ponte entre o mundo espiritual e o material,

chamada no oriente de anthakarana, e na Cabala

referida como a sephira Tiphereth. É nesta esfera que

os seres de luz se 'misturam' com os seres materiais, o

lugar de encontro dos mercadores orientais. Esse local,

ou melhor dito, plano de consciência, parece simbolizar

o ponto de transição entre a mente superior e a

inferior, onde os conceitos abstratos são cambiados

por conceitos concretos utilizados neste mundo.

Chegam, então, à Terra de Babel, que tradicionalmente

expressa a confusão dos sons, ou seja, das vibrações do

plano dos desejos, das emoções e das paixões. Entram

pelas muralhas de Sarbug, também referida como o

Labirinto, simbolizando os inextricáveis meandros da

Providência, que determina o destino dos homens,

provavelmente uma alusão ao plano etérico em que

uma complexa rede de ligações energéticas determina

a conformação e as tendências dos corpos humanos.

Ao chegarem ao Egito, símbolo do corpo físico, seus

acompanhantes, tendo cumprido sua missão, retornam

a seu mundo de origem.

Nosso aventureiro estabelece-se numa

hospedaria, ou seja, no corpo físico em que veio ao

mundo (para os gnósticos, o corpo humano era

considerado como uma hospedaria da alma,

expressando a idéia da impermanência). Ele parece um

estranho aos seus companheiros, pois, enquanto o

peregrino estiver consciente de sua missão divina,

apesar de estar vestido como os egípcios (encarnado),

será de alguma forma diferente dos outros, na medida

em que seu comportamento e suas motivações estarão

pautados por interesses que não são deste mundo. O

viajante, porém, alia-se a um 'homem livre, filho de

nobres da terra da Alvorada'. Esse, 'jovem formoso e

bem favorecido,' representa o guia, ou instrutor

espiritual, que sempre aparece quando o peregrino

está em busca do supremo tesouro, e sua orientação e

ajuda são inestimáveis para que o buscador possa

realizar sua missão.

O nobre amigo do nosso herói aconselha-o a não

se misturar com os impuros. Os egípcios, porém, com

suas artimanhas, apresentam-se ao viajante e

oferecem-lhe seus alimentos. No caso, mais do que

alimentos físicos, trata-se de alimentos para as

emoções e as paixões, para o orgulho e a ambição, que

mantêm a mente constantemente direcionada para

atividades ligadas às coisas deste mundo. Com isso, o

filho do Rei esquece-se de sua missão e torna-se súdito

do rei local, ou seja, passa a atender aos interesses

materiais, mergulhando num profundo esquecimento

das coisas espirituais.

Seus Pais percebiam tudo o que se passava e

ficaram ansiosos. A ansiedade dos Pais é um véu, pois

sabiam desde o início a natureza difícil da missão de

seu filho e o longo tempo que deveria durar. Porém,

chegado o momento apropriado na longa jornada da

alma, que só a providência divina conhece, a corte

divina envia uma mensagem em que cada membro da

hierarquia celeste assina seu nome. Assinar o nome

significa colocar seus poderes à disposição do

destinatário.

A carta lembra uma referência similar existente

no livro Voz do Silêncio, onde é dito que o guia é a voz

interior, a expressão da consciência divina, que só pode

ser percebido quando há total silêncio interior e,

portanto, quando o indivíduo não mais está voltado

para as coisas do mundo.

A carta voa como uma águia e, ao pousar ao lado

do destinatário, transforma-se num discurso. A águia, a

ave mais poderosa que voa em direção ao sol (o Logos)

e desce para tomar pequenos quadrúpedes como presa

(a personalidade quaternária), simboliza a natureza

divina no homem que é enviada como mensageiro ao

peregrino na terra distante. A águia representa o Cristo

interior, a intuição espiritual, que ao pousar traz a

verdade espiritual para o plano da mente concreta.

Esse é um lindo simbolismo para a mensagem enviada

pelo Pai e a corte celestial que, na realidade, já se

encontra no interior da alma, no âmago do ser. O vôo

representa a elevação de consciência que permite a

percepção do mundo sutil além dos interesses

mundanos.

A graça divina permite que o atribulado

aventureiro possa ouvir a voz do silêncio, a mensagem

da carta, e assim ele se levanta, despertando de seu

sono profundo. O buscador regozija-se com a dádiva

recebida, a lembrança de sua verdadeira natureza, e

agradece a seus Pais, beijando a carta, ou seja,

absorvendo a mensagem de seu Eu Superior à sua

consciência usual. O beijo é usado com freqüência na

linguagem sagrada para expressar a união, nesse caso a

união da consciência superior (a mensagem do plano

intuitivo simbolizado pela águia) com a consciência

inferior (o jovem peregrino). O viajante percebe, então,

que a carta já estava escrita em seu coração desde o

princípio. Ela é a mensagem da Vida Una, que

reverbera nos planos sutis desde o princípio da

manifestação. Essa idéia é também expressa por Paulo:

"Nossa carta sois vós, carta escrita em nossos corações,

reconhecida e lida por todos os homens.

Evidentemente, pois, uma carta de Cristo, entregue ao

nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o

Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em

tábuas de carne, nos corações!" (II Cor 3, 2-3)

Ao receber a mensagem da carta, o buscador

desperta e parte para cumprir sua missão. A estória

não dá maiores detalhes sobre como é obtido o

tesouro, além da informação de que o jovem começou

'a cativar a serpente, encantando-a para dormir,

cantando para ela o nome de seu Pai'. Está implícito o

poder dos nomes sagrados da divindade, usados na

Cabala como mantras. O peregrino invoca o nome do

Pai, da Mãe e de toda a hierarquia celestial,

mobilizando toda a força divina dos Arcanjos para

despertar e utilizar os tremendos poderes da serpente

adormecida, a kundalini, elevando-a até a cabeça onde

ocorre a iluminação libertadora, a gnosis, simbolizada

pela pérola. Esse processo tem um estreito paralelo

com a Cabala, em que a consciência é elevada pelo

pilar central, usando a força armazenada na base, na

sephira Yesod, valendo-se então da intermediação do

redentor Tipheret, para finalmente alcançar a sephira

oculta, Daath, que significa Conhecimento, ou seja,

gnosis.

Uma vez obtida a pérola preciosa, o peregrino

está livre do Egito e parte em direção à casa do Pai,

deixando para trás as vestimentas impuras. Isso parece

indicar que, tendo obtido a iluminação, o buscador

liberta-se do mundo da matéria e, simbolicamente,

descarta seus corpos grosseiros. Caso deseje mais tarde

voltar numa missão de misericórdia para ajudar outros

buscadores adormecidos no Egito, poderá adquirir

veículos, ou vestimentas, apropriados para esse tipo

especial de missão que, apesar de serem idênticos aos

usados pelos moradores da terra, não são sujos nem

impuros, pois foram especialmente confeccionados

para o nobre, agora um Mestre de Compaixão e

Sabedoria.

Nosso herói retorna pelo caminho pelo qual

viera. A direção do oriente simboliza a direção de onde

vem a luz, portanto, a alma dirige-se para as alturas

espirituais, o que também significa, voltar-se para o seu

interior.

Ocorre agora uma aparente contradição. O herói

encontra, no caminho diante de si, a mensagem que o

havia despertado. É como se houvesse um segundo

encontro com a mensagem. Como o herói está liberto

das limitações do corpo físico, agora pode perceber o

que se encontra no recôndito de seu ser. A expansão

de consciência, que inicialmente despertou a sua

audição sutil, agora desperta também a sua visão

espiritual. Essa parece ser a tendência da maior parte

dos aspirantes na Senda, primeiramente a audição

espiritual é desperta e só mais tarde a visão. Segue

adiante, portanto, reconfortado pela voz amorosa do

mestre interior e por visões diáfanas das vestes reais

do mundo celestial. A Voz é o aspecto feminino do

poder, e a Luz, o masculino, que guia, controla e

ordena. A Voz e a Luz também podem ser interpretadas

como sendo a Verdade Eterna, como nas Odes de

Salomão. Ele vê as vestes mas ainda não pode vesti-las,

pois não entrou no mundo da luz.

A crescente expansão de consciência que nosso

nobre experimenta é descrita como uma viagem.

Assim, é dito que ele deixa para trás o Labirinto e a

Terra de Babel, chegando a Maishan, o lugar de

intercâmbio entre os mundos espiritual e material.

Uma vez transposto esse limite, expresso como 'a

costa' onde se localiza a Maisham simbólica, aparecem

os distribuidores do tesouro portando a Veste de Glória

que havia sido deixada na casa do Pai. Mais uma

surpresa: a veste se parece como a imagem dele

mesmo. O reencontro consigo mesmo, o

reconhecimento de sua imagem primordial e a união

com ela significam o verdadeiro momento da salvação.

O fato de a veste parecer-se com seu dono é de

grande importância em todas as tradições esotéricas. O

conhecimento de nossa verdadeira natureza só pode

ser realmente obtido através da gnosis, quando então

percebemos todas as implicações de sermos a centelha

divina interior, unos com o Pai e, portanto, com todos

os seres.

Os tesoureiros apresentam-se como dois seres

com uma única forma, representando a verdade oculta

de que, no mundo da manifestação, toda unidade

apresenta-se de forma dual. Cada ser de luz é completo

trazendo em si os dois aspectos da totalidade,

masculino e feminino, força e forma. Os dois

tesoureiros também representam o Mestre instrutor,

que até então havia guiado ocultamente o jovem

nobre, e o Grande Hierofante que concede a Iniciação,

ou seja, a Veste de Luz que simboliza a iluminação

suprema.

Os fiéis depositários dos tesouros do Rei

finalmente entregam a recompensa prometida ao

herói, a veste gloriosa. A veste cravejada de jóias, os

tesouros espirituais, tem estampada a Imagem do Rei

dos Reis, ou seja, é uma expressão do Supremo. Ele,

então, percebe que 'movimentos de gnosis abundavam

em toda a extensão (da veste) que estava se

preparando como que para falar.' A consciência da

unidade faz com que a gnosis suprema seja concedida,

desvelando a verdade sobre todas as coisas

diretamente à mente.

Pelas palavras da veste fica claro que o

conquistador recebeu a iniciação final que o torna um

super-homem, um Mestre de Compaixão e Sabedoria.

Isso é confirmado pelo Nobre que diz: 'E percebi em

mim como minha estatura aumentava com sua

atividade.'

O próximo passo é a cerimônia de posse da

veste, que simboliza o grande esplendor que deve ser a

cerimônia de iniciação de um Mestre. A beleza colorida

da veste e o manto de cores resplandecentes

expressam o fato de que ao tornar-se Uno com o Todo,

o Adepto tem a seu alcance os poderes dos sete raios,

simbolizados pela profusão de cores. Finalmente o

vencedor coloca a veste de luz e o manto de poder,

ascende ao 'Portal das Boas Vindas e da Reverência',

onde inclina-se e presta homenagem à glória do Pai.

Esse o recebe com alegria, da mesma forma como o Pai

agiu na parábola do filho pródigo, e todos os súditos do

Reino participam das comemorações, pois mais um

Filho de Deus, ou um raio do Sol Espiritual, retornou à

fonte depois de cumprida sua missão.

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